Olhares sócio-antropológicos sobre Filmes, textos, artigos, livros, documentários,..

Amo cinema e vejo nos filmes inúmeras oportunidades de refletirmos sobre a vida, sobre temas diversos que nos tocam de maneiras diferentes, a partir de nossas grades de leitura e nossas vivências.
Assim, faremos neste primeiro momento reflexões sobre filmes, documentários que assisti e partilhei com meus colegas de sala (educandos) e outros que assisti em momentos de lazer criativo e produtivo. E, em um segundo momento farei comentários de livros, textos, artigos, enfim, o que li e como apreendi o lido, e os frutos de minha vivência, do meu dia-a-dia, do meu vivido também. Tudo isto será partilhado aqui com cada um de vocês!!

Boa Leitura!!

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Evangelho Segundo Lucas e a Declaração dos Direitos Humanos: reflexões bioéticas

Evangelho Segundo Lucas e a Declaração dos Direitos Humanos: reflexões bioéticas
Marcia Adriana Lima de Oliveira•; Luiz Ayrton Santos Júnior ••
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• Professora. Educadora da UESPI/ Campus Clóvis Moura. Cientista Social- UFPI. Mestra em Antropologia - UFPE. Especialista em Bioética e Direitos Humanos - ANIS, ICF, SBB-PI; Especialista em Docência do Ensino Superior.
•• Professor da UESPI/ Centro de Ciências da Sáude. Médico.Especialista em Bioética e Direitos Humanos - ANIS, ICF, SBB-PI
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"Na base de todos os sistemas de crenças e de todos os cultos deve, necessariamente, haver certo número de representações fundamentais e de atitudes rituais que, apesar da diversidade de formas que umas e outras puderam assumir, apresentem, por toda a parte, o mesmo significado objetivo e também por toda a parte, exerçam as mesmas funções" (DURKHEIM)


         E, com relação às funções da Religião mencionadas por Émile Durkheim (1989), conforme supracitado, este as descreve como eminentemente sociais. Para o referido autor a religião ajuda a manter a coesão nos grupos, fortalecendo os laços entre seus membros, pois na visão Durkheimiana, a sociedade, o grupo deve sempre se sobrepor aos pensamentos individuais, e, para garantir a ordem em meio a diversidade cultural, a sociedade constrói sua moral (cultura não-material), manifesta através dos fatos sociais.
              E, considerando a religião como um fato social, para Durkheim (1989, p.79) esta foi conceituada como um sistema solidário de crenças seguintes e de práticas relativas a coisas sagradas, ou seja, separadas, proibidas; crenças e práticas que unem na mesma comunidade moral, chamada igreja, todos os que a ela aderem. (...) A religião é coisa eminentemente coletiva.
              Assim, para ilustrar como este sistema solidário de crenças foi retratado por Lucas na Bíblia (2006), fez-se uma pesquisa bibliográfica, a partir de uma abordagem comparativa entre o que Lucas narrou sobre o pensamento de Cristo, utilizando-se da religião Cristã e da Declaração dos Direitos Humanos. E, teve-se como objetivo geral verificar as modificações na moral cristã após a chegada de Cristo, e, quais as relações entre esta moral e a Declaração dos Direitos Humanos.
                Assim, em meio a um contexto histórico A.C. patriárquico, virilocal, cuja casa (casta) era atribuída pela linhagem do esposo, tem-se que em Lucas (Lc 1, 5-25) quando inicia sua narrativa sobre a vida de Cristo, primeiro fala do pai de João Batista, que era Sacerdote, cujo filho veio para romper algumas tradições como a manutenção do nome da família, posto que não havia nenhum João na linhagem de Zacarias. Contudo, segue como profeta, dando continuidade ao trabalho do pai.
                E, para o nascimento de João, seu pai por duvidar do anjo que veio anunciar sua chegada, recebe uma punição, a perda da voz (Lc 1, 20), que retorna mediante a confirmação do nome do filho no ato da consagração deste no templo.
                 Deus aparece nesta e em outras passagens como ser impiedoso, que não gosta de ser contestado, mas que exige obediência a sua palavra incondicionalmente, ou seja, não é para ser questionado, mas sim vivido.
              Quanto a Maria, não houve questionamentos, ela aceitou as determinações de Deus, mas antes, tanto em um caso quanto no outro, antes que as ações fossem realizadas havia o pedido de confirmação, o pedido de consentimento aos sujeitos participantes para que fosse realizado o que estava escrito, ou seja, o mesmo Deus que se mostra impiedoso, e não quer ser contestado, também respeita o livre-arbítrio, jamais fazendo o que os sujeitos assim não o desejassem.
             Consentimento este que será valorizado e obrigatório em meados do século XX, mas especificamente após a segunda guerra mundial, e, no século XXI, na Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos (2005). Nesta, no Artigo 6, tem-se a fala sobre o consentimento, a importância dos sujeitos participantes de qualquer pesquisa, tomarem conhecimento do que acontecerá, riscos e benefícios, enfim colocarem-nos a par da sua participação nesta.
                 Maria ao aceitar conceber um filho, sem ter conhecido homem algum, inova na época o que somente séculos depois foi realizado e denominado inseminação artificial.  Contudo, não teve com o que se preocupar pois, a linhagem de seu filho estaria assegurada, já que conforme Lucas (1, 31-33) o anjo lhe diz:
E eis que em teu ventre conceberás e darás a luz um filho, e pôr-lhe- ás o nome Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai. E reinará eternamente na casa de Jacó, e o seu reino não terá fim.
                   Como a linhagem era dada pelo marido, José, o pai social de Cristo, que adotou esta criança como sua, deu-lhe o nome de família, e ensinou-o seu ofício de Carpinteiro. Ressaltando aqui, um dos casos de adoção registrados na Bíblia, e que vem mostrar que família é mais que laços de consangüinidade, mas também laços de descendência por afinidade (OLIVEIRA, 2003). E, este homem José, era da linhagem de Adão, ou seja, de Deus.
                   No século XXI, na Declaração dos Direitos Humanos, tem-se no Artigo III, que todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e á segurança pessoal, ou seja, A.C a milênios atrás em um universo com outra moral, antes de Cristo chegar, foi providenciado esta segurança, através da escolha dos pais, da família. Sem, contudo ferir muito as leis vigentes á época, pois manteve-se a tradição quanto a patrilinearidade, através da escolha do pai social ter sido em decorrência deste ser da mesma linhagem do genitor.
                     Antes que Cristo pudesse falar por si, ou dar inicio a sua missão, João Batista começava a lançar sementes de questionamentos sobre a ordem pré-estabelecida, dizendo: "quem tiver duas túnicas, reparta com o que não tem, e quem tiver alimentos faça da mesma maneira. (...) E uns soldados o interrogara também dizendo: E nós o que faremos? E ele lhes disse: A ninguém trateis mal, nem defraudes e contentai-vos com o vosso soldo" (Lc 3, 11 – 14).
                      Nesta passagem tem-se inicio o que, neste século XXI na Declaração dos Direitos Humanos (1948) foi escrito no Artigo V: “ninguém será submetido a tortura nem tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, ou seja, há milênios atrás já começava-se a pensar na dignidade humana, pois, segundo reza o Artigo I desta Declaração: "Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade".
                     Quando Cristo, já adulto assume seu trabalho de propagador e cumpridor das boas novas a que João Batista anunciava em Lucas (6, 27-31): “e como vós quereis que os Homens vos façam, da mesma maneira lhes fazei vós também”.
                     Cristo modifica o foco da punição para o perdão, do ódio para o amor, a tolerância, a caridade (Co 13). Contudo, apesar desta mudança no olhar o Humano, como toda cultura pré-estabelecida a mudança é processual e, em meio a cultura da guerra, da dominação, estas mensagens não foram ouvidas ou assimiladas. Culminando no relato em Lucas, da crucificação de Cristo, ou seja, tudo o que é diferente, o que chama o grupo a uma reflexão sobre suas práticas, pode exercer ou um fascínio, ou uma repulsa. O refutar e destruir como sinal de que a ordem vigente deve ser mantida, ferindo o livre-arbítrio, valorizando um grupo, ou uma espécie, em detrimento dos (as) demais, foi conceituado como Especismo, um termo que surgiu em 1970, por Richard D. Ryder, e utilizado por ele, pela primeira vez em seu livro  “Vítimas da Ciência” publicado em 1975, e republicado através da tradução de Ana T. Fellipe na Revista Pensata Animal. Neste, Ryder (2008) conceitua especismo como uma forma de discriminação abrangente praticada pelo ser humano contra outras espécies. E, fazendo uma ponte com o racismo, este  diz que ambas são formas de preconceito baseadas na aparência.
                Em Lucas (12, 5-9) quando Jesus ao fazer uma pregação diz que o Ser humano, vale muito mais do que cinco passarinhos também usou de especismo, por preterir uma espécie em detrimento da outra. Novamente, na solicitude pela  vida humana, Cristo disse que:
"Não estejais apreensivos pela vossa vida, sobre o que comereis, nem pelo corpo, sobre o que vestireis. Mas é a vida do que o sustento, e o corpo mais do que o vestido. Considerai os corvos, que nem semeiam, nem segam, nem têm despensa, nem celeiro, e Deus os alimenta; quanto mais valeis vós do que as aves? E qual de vós, sendo solícito, pode acrescentar um côvado à sua estatura? Pois, se nem ainda podeis as coisas mínimas, por que estais ansiosos por outras? Considerai os lírios, como eles crescem; não trabalham, nem fiam; e digo-vos que nem ainda Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como um deles. E, se Deus assim veste a erva que hoje está no campo e amanhã  é lançada  no forno, quanto mais a vós, homens de pouca fé?" (Lc 12, 22-32).
        Apesar do trabalho de Cristo para a transformação da moral da época de repressora, para apaziguadora, de guerreira, para pacífica, de vingança para o perdão, o amor entre os seres humanos, contemplados, inclusive, apesar dos milênios de existência, no século XXI (2009) através das Declarações tanto dos Direitos Humanos quanto Universal sobre Bioética e  Direitos Humanos, no que se refere ao reconhecimento das outras formas de vida, não apenas para servir ao Humano, mas como irmãos deste humano, conforme cantou em Irmão Sol, Irmã Lua São Francisco de Assis, não foi por Cristo contemplados. Pois, conforme supracitado o Ser Humano, ou a espécie Humana com ele adquiriu o estatuto de Humanos Plenos, mais preciosos do que os demais seres.
               Porém, em virtude do que Cristo se propôs em um curto espaço de tempo, a tentativa de despertar no outro a sua humanidade, sensibilizá-lo para o respeito a si, ao outro, outros iguais, para uma época guerreira, competitiva, cujo lema era “olho por olho, dente por dente”, vingativa; foi o ponto de partida para as demais percepções sobre a melhoria não apenas nas relações sociais, mas no e para o surgimento de um Humano Biocêntrico.        

   

REFERÊNCIAS
Declaração dos Direitos Humanos (1948)
Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humano (19 de outubro de 2005 – 33ª Sessão da Conferência Geral da UNESCO.
DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa: o sistema totêmico na Austrália. São Paulo: Ed. Paulinas, 1989
OLIVEIRA, Márcia Adriana L. Separações e divórcios: elementos que fazem parte da dinâmica familiar ou elementos de desestruturação destas? In: Revista CEUT. Ano III. Nº 1(2003) Teresina- PI: CEUT- FCHJT, 2003, pp. 106 - 132
RYDER, Richard. Vítimas da Ciência In: Revista Pensata Animal. Ano II. Nº16 (2008), pp. 1-13 disponível no site
http: //www.sentiens.net/central/PA_ACD_richardryder_16.pdf, acessado em 07 de julho de 2009
Velho e Novo Testamento. 6ª Ed. São Paulo: King’s Cross Publicações. 2006   

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

FLOR DO DESERTO: REFLEXÕES ANTROPOLÓGICAS E BIOÉTICAS

        Sabem, hoje assisti ao filme FLOR DO DESERTO, que retrata a biografia de Warris, uma somáliana que rompendo com a cultura pré-estabelecida, resolve dizer não a um casamento arranjado e, desejando outra vida para seu irmão, para si, ela foje. Neste interim, ela passa por muitas dificuldades, mas consegue vencer, através da Fé, do trabalho, da dignidade e honra e dos amigos que fez nesta trajetória. 
         Mas, o que me chamou a atenção no filme, foi quando ela relatou a circuncisão ao qual foi submetida aos três anos de idade... Narrando que aquele momento foi o  que mudou a sua vida. Ela explica que o ritual é praticado por considerarem o que está entre as pernas das mulheres algo impuro, e que, como prova de virgindade e honra, este ritual deve ser realizado... 
            Contudo, no fina do filmel, ela diz que as irmãs não resistiram, como inúmeras mulheres africanas que morrem pela prática realizada. E, clama a todos uma mudança no conceito de mulher, rever o significado de ser mulher, para que esta não seja vista como algo impuro, ruim, mas alguém que pode sim, contribuir com o seu país, trabalhar, estudar, enfim, construir uma vida e engrandecer, pelo trabalho e conhecimento, o lugar de onde é, o local onde está, sempre com dignidade, honra, liberdade. 
          Para ela todas as mulheres eram circuncidadas, até compreender que não era assim, que existem outras culturas que não fazem da mesma maneira, e a partir da consciência da diferença, pois ninguém questiona o igual; ela escolhe, mesmo sabendo que poderia ser rejeitada pelo seu grupo, falar em nome das crianças que não podem. Aqui vemos uma questão Bioética, pois como interferir na cultura do grupo? A bioética é o respeito a todos os seres vivos, o respeito a diversidade, e o diálogo respeitoso nesta diversidade. Então, como lidar com esta questão?
            E, aqui, entra a Antropologia, ao meu ver, pois, realmente, não podemos entrar no grupo e tentar mudá-lo, tomando como padrão a nossa cultura, pois estariamos sendo etnocêntricos. Mas, ao mesmo tempo, quando não é o olhar do de fora que diz que isto é errado, mas o de dentro, o nativo que percebe que existem outras maneiras de ser, então, a escolha da mudança, vem com toda força, de maneira consciente, pois, ela poderia conquistar seu lugar ao sol e calar-se, mas não! Ela optou, mesmo sabendo da possível rejeição do seu grupo, falar pelas crianças que não podem, solicitar mudanças culturais no conceito do Ser Mulher, pois, através da mudança no conceito, muda-se a prática da circuncisão. Logo, isto é possível!!
               A mudança somente acontece, conforme Hoebel e Frost, se há necessidade de mudança. Ninguém muda, absolutamente nada, se este nada não o incomodar, não tocar bastante a ponto de promover uma mudança. Então, a cultura não é herdada geneticamente e nem é imutável, conforme Durkheim, "não é da natureza do conceito mudar, mas muda quando há necessidade". Assim, a necessidade de mudança foi manifesta por um membro do grupo, resta saber se o grupo se sensibilizou para começar a modificar a prática... Mas, acredito que "uma andorinha só não faz verão, mas anuncia sempre que o mesmo está chegando", o que vai tornando mais forte a idéia de mudança!!
                Paz e Bem
                                                      (Marcia Adriana Lima de Oliveira)